segunda-feira, 27 de abril de 2009
quinta-feira, 9 de abril de 2009
A MINHA PASSAGEM PELOS GRUPOS ESPECIAIS
Na sequência da libertação do jugo colonial de outros países africanos e não só, a 4 de Fevereiro: inicia-se a insurreição do povo de Angola, sob a direcção do M.P.L.A. (Movimento Popular Libertação de Angola). Em Dezembro de 1961: O fascismo sai derrotado em Goa, Damão e Diu. Em Janeiro de 1963: o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (P.A.I.G.C), inicia a luta armada na Guiné. Em Setembro de 1964: a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) inicia a luta armada em Moçambique. Contra os interesses nacionais, Salazar pretendendo retardar o irreversível movimento de libertação nacional, lança Portugal nas criminosas guerras coloniais. Durante 13 anos de guerras, dezenas de milhares de jovens ficam com a vida cortada por longos anos de guerra colonial. Mais de 10.000 aí perderam a vida. Cerca de 30.000 voltaram mutilados. O luto e a dor entram nos lares portugueses. O custo das guerras coloniais arruína ainda mais o país. O governo fascista não poderia manter a dominação de tão vastos territórios e prosseguir a guerra colonial sem o apoio das grandes potências imperialistas da Nato. Salazar paga o apoio imperialista com novas e cada vez maiores concessões ao capital estrangeiro. As guerras coloniais desencadeiam uma grande vaga de lutas no país. Os soldados protestam e lutam contra o embarque para África. As familias apoiam. Há manifestações e lutas no cais de embarque. É uma nova frente de luta contra a ditadura que se abre: a luta nas forças armadas.
EXPLICAÇÃO
Os GE`s, nascem da necessidade do governo de Salazar/Caetano, mostrar ao mundoque lhe é afecto, que a população nativa de Moçambique lutava contra os "rebeldes" daí, a BBC ter estado presente no dia da apresentação "juramento" à comunicação social. É evidente que este tipo de tropa interessava à África do Sul assim como à Rodhésia pelos seus regimes de apartheid pois chegava a haver operações militares conjuntas embora muito discretas. Ainda não compreendi o envolvimento da familia Jardim em todo o processo. Jorge Jardim, (dono da Lusalite) e Carmo Jardim, esta última com a patente de tenente nos GEP`s (Grupos Especiais Pára-quedistas) eles tinham também como grande amizade o Presidente da República do Malawi, Kamuzu Banda, que pós 25 de Abril lhes veio a ser útil pois foi neste país que se refugiaram juntamente com alguns desertores dos GE`s e GEP`s .
A MINHA PASSAGEM PELOS GE`S (GRUPOS ESPECIAIS)
Moçambique - Dondo 1973 Os GE`s eram indígenas "convidados" a integrarem o exército português. Esta-va explícito de que se não aceitassem seriam suspeitos de fazer parte do IN. (inimigo), daí as suas consequências. Ao integrarem o exército, passaríam a ter todos os direitos e deveres de qualquer militar nessa situação para além de poderem frequentar as grandes cidades depois de devidamente preparados tanto no aspecto militar como no civil. Depois de ter tirado o curso de GE., com os grupos especiais pára-quedistas, onde estava incluído para além de tácticas de combate à guerrilha, sobrevivência, conhecimentos básicos de higiene e saúde, primeiros socorros e enfermagem, segurança, comunicações, cozinha e gestão. Foram formadas três companhias cerca de mil homens (1.000).
Tudo preparaqdo para receber os primeiros. Começaram a chegar por fases e por regiões. Devido ao tempo que eu tinha em combate (13 meses) iria integrar um grupo da Zambézia, mais concretamente do Mongoé (pequena aldeia perto de Milange). Grupo 407, 84 homens.
Ao chegrem até nós, muitos deles vinham completamente desprovidos de tudo quanto era essencial para sobreviver. Descalços, em calções ou calças rotas e sem roupa ninterior. Co mjuita fome e com a higiene que aprenderam. Competia-nos a nós então impingir-lhes a nossa cultura " a da metrópole...".
Ao chegrem até nós, muitos deles vinham completamente desprovidos de tudo quanto era essencial para sobreviver. Descalços, em calções ou calças rotas e sem roupa ninterior. Co mjuita fome e com a higiene que aprenderam. Competia-nos a nós então impingir-lhes a nossa cultura " a da metrópole...".
INTEGRAÇÃO
Marcamos encontro para no dia seguinte às 08,00h começarmos com a nossa missão de nos conhecermos melhor. Para meu espanto, no dia seguinte apareceram todos chibantes (bonitos) devidamente fardados no local exacto da formatura. Rectificado o facto de eu querer os mais baixos à frente, perguntei então os seus graus de escolaridade, tendo verificado que a grande maioria era analfabeto, uma pequena parte com a segunda e outra menor com a quarta classe. Aqui começava a conquista psicológica sobre eles. Quem era, donde era e porque estava em Moçambique. Como era difícil mentir! Que iriam ganhar 873$00 por mês mas que teriam de se sujeitar à disciplina do exército português começando por respeitar a sua hierarquia. Tudo o que necessitassem teria de passar sempre por mim que de seguida os encaminharia de acordo com as suas necessidades. Poderiam em termos de futuro seguir algumas profisssões que iriam aprender, tais como: padeiro, cozinheiro, enfermeiro, armazéns, comunicações para além de poderem seguir o próprio exército. Foi então que soube que um deles ser carpinteiro, (mais tarde ofereceu-me uma secretária). Iria promover também seis deles no posto de 1º cabo, logo de seguida a informação dos respectivos postos assim como suas divisas ou galões. Soldado raso, 1º cabo, cabo miliciano (único país da nato com este posto, para fugir ao pagamento do vencimento dum segundo fúrriel), fúrriel, 2º sargento, 1º sargento, ajudante, aspirante, tenente, capitão, major, o nosso comandante é tenente-coronel. Só devíamos respeitar ordens dos graduados GE`s ou GEP`s assim como cumprimentar, boina amarela ou vermelha respectivamente.
Muito poucos sabiam diferenciar a direita da esquerda. Havia então que recorrer à técnica da pedrinha na mão direita. Os GE`s a exemplo dos pára-quedistas não marcham ao som de tambores mas de cânticos, assim a nossa maneira de marchar era atirar a perna completamente esticada para a frente e bater em cheio com o peito do pé no chão. Depois... nesta posição, mãos atrás das costas e pernas abertas é descansar, nessa posição devem-se movimentar o mínimo possível, porque é partida logo de seguida para outra e só à minha ordem de - à vontade - é que de facto não há problema inclusivé falarem. Na mesma posição e com o peito para fora é a posição de firme, posição essa de partida para o sentido. Esta é a posição que ninguém pode mesmo mexer, pernas fechadas e braços estendidos ao longo do corpo. Daqui partimos para o marchar, que é como estou a fazer e vocês concerteza já o fazem. Ainda há o passo de corrida, para além do passo de fantasma, que é com o pé apalpar o local que vamos pisar, e isto porquê, precisamente por causa das minas que mais adiante falaremos. Assim e mediante o que eu disse vamos então fazer um pouco de ginástica e de seguida ordem unida.
INSTRUÇÃO
- Vamos começar por aquecer se possível todos os membros do nosso corpo, começando por fazerem todos os movimentos que estou a fazer, então, na posição de sentido ou seja pernas fechadas e braços alongados no sentido do corpo. De seguida, mãos na cintura com pernas abertas. Braços para cima com pernas fechadas a olhar para as mãos, as mãos quando estão em cima tocam-se como que a rezar. Vamos então repetir quando eu disser um, já sabem é posição de sentido, dois, é mãos na cintura e pernas abertas e três, é braços para cima com pernas fechadas. Ora vamos lá... 1...2...3... correcto há uns nabos que se enganam, vamos fazer assim... os que sabem passam para a frente os outros que estão atrás imitam os da frente ok? Ora então vamos lá... 1...dois...e três certo! Mais rápido, um..dois..e três. Ainda mais rápido 1. 2. e três. 1. 2. e três. Muito bem. Vamos agora, rodar o tronco como estou a fazer para a direita assim... como se estivesse a fazer malandrices, agora para a esquerda assim, vamos lá cinco vezes. ...três, quatro e cinco. Agora a cabeça, para a frente, para trás. dez vezes para os lados e agora girar... Correcto. Agora para a esquerda rodar as pernas ligeiramente flectidas para a direita vamos lá aos pés com os dedos ora para um lado ora para o outro. Vamos começar por correr sem sair do lugar, assim... mais depressa vamos lá mais depressa ainda. Há aí uns morcões que estão a fazer muita sorna e começam já a pagar. Sabem o que é pagar? Então explico... quando há castigos a aplicar normalmente começam por este, eu vou dar o exemplo! Imaginem que tenho de pagar um castigo de cinco. Faço queda facial em frente e com o corpo empranchado começo a fazer 5 flexões 1,2,3,4,5. E dirigia-me ao graduado que me aplicara o castigo e dizia-lhe fazendo continência, castigo cumprido, dá-me licença que vá para o meu lugar? E ele concerteza mandar-me-ía para o lugar. Portanto já ficam a saber, o que é pagar.
E com a pedrinha na mão direita...
- Atenção grupo está na posição de descansar. Firme, peito para fora, oh seu nabo o que é que eu disse há bocado barriga para dentro parece que tem medo de açlguma coisa, abra as pernas homem, não tenha medo, certo. Setap, eu já sabia que ninguém ía fazer! Mas não mexe porque está em firme, quando eu digo seeetap é para fazer sentido tom a perceber seus nabos. Vou dar outra vez a voz de comando e quero todos ao mesmo tempo senão começam a estar fudidos comigo. Seeeetap. Correcto. Para a próxima quero melhor. Atenção... Maaacar passo, está mais ou menos eu já previa! una começaram com a esquerda outros com a direita. Não páaara. caralho eu mandei parar? Tudo a marchar, agora quando eu disser direita para acertar o passo vocês têm de bater 2 vezes com o mesmo pé ok? Assim como estou a fazer vêem? Direita...Direita... está mais ou menos. Atenção grupo, alto. Alto é para parar oh seu morcon. Na ordem unida quem vai a comandar normalmente diz, erda, que é o mesmo que esquerda direita um dois...erda... direita...eerda...erda...direita...um...dois direita er, esquerda er, frente marche...- E foi assim durante uns tempos, com uns paus fazíamos técnicas de manejo de armas (g3), orientação, (esta era desnecessário porque eles eram da zona), no entanto não deixei de informar que a estrela mais brilhante era o Cruzeiro do Sul, e que nos indicava esse mesmo ponto cardeal, assim como em floresta cerrada a parte mais húmida das árvores normalmente tem musgo e logo se vê o sul. A ginástica também se mantinha pois era prática diária com muitos abdominais e flexões. ...Passado uns tempos e com a entrega também de camuflados, cinturão, cantil e respectiva cafeteira começamos a frequentar o mato com aulas práticas de: como saltar de viaturas em andamento, rastejar, passo de fantasma, técnicas de sobrevivência, manejo de minas e armadilhas, granadas de mão assim como de morteiro, tecnicas de camuflagem etc...
EXISTEM EM GUERRA DOIS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO EXÉRCITO PORTUGUÊS
O morse é um meio de comunicação, que só os operadores ligados a ele têm acesso, e ainda pode ser criptado, ou seja: transmitido e recebido de forma, sigilosa (secreta). Tem um especialista com auto-grau de segurança, normalmente é um 1º cabo que nunca deve sair do quartel e quando sai leva dois homens para segurança dos seus saberes e só deve viajar de helicóptero.
Com certeza já ouviram no rádio ou seja nas telefonias o: pi pipi pipi pppi, isso é morse e só o transmissor (quem transmite) e o receptor (quem recebe), sabem o que estão nesses pipis. Mesmo assim no IN (inimigo). Já há quem traduza, por isso é que de vez em quando esses códigos são alterados (três em três meses).
RÁDIO TELEGRAFIA
O rádio telegrafista (que de telegrafista não tem nada) é o militar que vai ser responsável pela rádio Rakal. Este militar poderá ser um 1º cabo. A este compete: a recepção e a transmissão de todas as ordens nesse sentido, manter o bom estado de funcionamento desse meio de comunicação pois dele depende a segurança do grupo em operação no que diz respeito a meios de comunicação.
O rádio Rakal trabalha a bateria, compete pois, também ao radiotelegrafista verificar o estado das mesmas. O rádio Rakal é o mais importante meio de comunicação que existe no exército português quando em operação, patrulhamento e deslocação. Este meio de comunicação é utilizado em operações militares de 2 ou mais dias. O seu funcionamento depende muito da colocação estratégica da sua antena, que tem de estar direccionada para a central. Para além de se ligar o rádio era necessária também a sua sintonia e bandas previamente combinadas com o aquartelamento. Havia ainda o rádio banana para pequenas patrulhas, (chamava-se assim, devido à sua forma) este por sua vez sintonizava com o Rakal. O rádio banana, trabalha a pilhas. Na utilização de qualquer meio de comunicação temos por vezes de utilizar códigos de conversação, mas mais tarde a quem viesse a ser designado para o cargo seria informado.
Era muito importante também que os que não sabem ler aprendessem a fazê-lo. Vai haver as “aulas regimentais”em que todos podem aprender a escrever e a ler. Assim poderão mais tarde ler revistas e jornais da vossa terra e não só, como o mais importante escrever para a família. Saliento também ouvir as notícias através da telefonia (rádio) assim como música. E falarmos também entre nós, sobre o que está bem e o que está mal.
Alguém quer dizer alguma coisa?
Continuaremos amanhã
Formar… firme setup em frente marche, um dois Esq. direita. No quartel…alto - meu capitão GE 407 pronto, dá licença que mande destroçar? — Com certeza pode atenção grupo destroçaaar ---geeeeeeeeeeeeeeeee.
No outro dia
HIGIENE E SAÚDE:
Hoje vamos tratar de assuntos de higiene e saúde.
Estes serviços são executados por todos os soldados rasos (sem graduação) escalados para o serviço e por orientação do 1º cabo dia. Assim, os locais que vocês frequentam é arejado tem muito ar, daí agora ser necessário a sua limpeza, para tal já existem equipas e estas devem utilizar desinfectantes tais como: lixívia diluída em água e sabão vermelho e branco há ainda detergentes. Devem ser utilizados vários panos e baldes. Nas casernas e visto que o chão é de terra convém varrer muito ao de leve para não se levantar muito pó, com as portas devidamente abertas para este poder sair. Limpar as camas com pano húmido assim como os armários. As limpezas devem ser feitas das mais sujas para as mais limpas, utilizar a pá e os carros para apanhar e levar o lixo para local adequado. Nas desinfecções utilizar creolina ou o DDT diluído em água.
O banho físico deve ser diário, e um alerta: devem limpar muito bem as zonas pélvicas por causa das micoses. As roupas devem ser lavadas após os exercícios físicos com sabão assim como a roupa da cama semanalmente. Há outro assunto importante e que normalmente são os que teremos de combater com mais frequência que são as doenças venéreas, tais como a gonorreia ou seja esquentamentos. Existe o sabão anticéptico e a pomada mas nada disto tem resultados práticos. Ainda o melhor é a camisinha, mas essa não é distribuída pelo exército.
Como já disse atrás não deixem de utilizar o desinfectante (pastilha) para a água, o mosquiteiro nas camas assim como o cachecol anti-mosquito e ainda quando formos para o mato o anti-repelente.
Alguém quer falar?
OS PRIMEIROS SOCORROS
SOCORRISTA
Os primeiros socorros são: tratamentos iniciais e temporários ministrados a acidentados e/ou vitimas de doença súbita num esforço de continuar a vida, diminuir a incapacidade e minorar o sofrimento.
Quando se pode, deve o socorrista lavar as mãos, e o material a ser utilizado deve estar devidamente esterilizado.
Cabe ao socorrista também distribuir as pastilhas para desinfectar a água.
Todos vós, vão ser chamados para serem vacinados
Feridas superficiais
Limpar a pele à volta da ferida com água e sabão. – Lavar a ferida do centro para fora com desinfectante apropriado ou com água e sabão, utilizando compressas – secar as feridas com compressas esterilizadas, procurando não destruir qualquer coágulo de sangue que se tenha formado – aplicar desinfectante apropriado.
Feridas extensas e hemorragias externas
Se a ferida for extensa (por exemplo de bala) profunda tem com certeza tecidos esmagados ou desfeitos até mesmo infectados, apenas se deve proteger com compressa e pedir ajuda através dum petram de zero horas e chamar o helicóptero, enviar o sinistrado para o hospital nesta situação se a hemorragia for de muita intensidade poder-se-á dependendo sempre das zonas atingidas aplicar-se um garrote, neste caso escrever-se-ia na testa do sinistrado a hora da colocação do mesmo para assim ao fim de 15 minutos o mesmo ser retirado para manter as artérias sem possibilidades de apanhar a gangrena e não haver a necessidade de ter de cortar o membro em causa.
No caso de faca ou pau espetado, este só deve ser retirado no hospital por causa da hemorragia.
Hemorragias internas
Suspeita-se de hemorragia interna quando não se vê correr o sangue. Há alguns sinais de que nos podemos aperceber tais como: sede, sensação de frio, pulso rápido e fraco e até mesmo arrepios.
Nos casos mais graves, poderá haver: alteração no estado de consciência, zumbidos, palidez e extremidades frias.
Estas são as situações que o nosso, (futuro) 1º cabo enfermeiro vai ter de deparar a ele vai-lhe ser distribuída a bolsa de enfermagem.
ARRECADAÇÃO OU ARMAZEM DE GÉNEROS ALIMENTÍCIOS
Será cargo também para um 1º cabo, todos estes cargos são importantes mas este é o mais apetecido e porquê? Tem a ver com tudo o que diz respeito a comidas e bebidas. É aí que vais ficar tudo armazenado. Vai ser daí que vai sair tudo para as vossas refeições, o pequeno-almoço o almoço e o jantar. e já agora pergunto têm comido bem? E todos – siiiiim … - pois no Mongoé, vai ser melhor.
Amanhã continuaremos…
Entretanto e como havia de facto neste grupo indivíduos sem qualquer tipo de vocação para continuar nos grupos especiais, uns poucos foram desligados e mandados de regresso às suas terras, outros fugiram, acabei por ficar com 67.
Como tinha um amigo que era vagomestre na messe dos oficiais e necessitava com frequência de ir às compras à cidade da beira, pedi-lhe que utilizasse os meus homens para o efeito (daí ser um prémio para os que mais se evidenciassem nos exercícios, iriam ver o mar e a grande cidade). Foi um êxito! Foi tão espectacular a ideia, que acabei por deixar ir todos, em grupos de 3.
Foi-lhes entregue a arma.
A G3
Da sua limpeza dependia a segurança de cada um de nós, para isso é preciso saber montar e desmontar a mesma. Vou dar o exemplo - preciso dum voluntário. Ok. Tu és o, Mouala, certo? Já começo a saber os vossos nomes. Então começamos por tirar as cavilhas da coronha e vamos por aqui fora até à culatra que é a parte mais importante da nossa arma. E está assim a nossa g3 desmontada para a montar é sempre um pouco mais difícil porque é necessário calibrar muito bem a culatra dar-lhe uma pancada seca e aí está como a g3 está montada, por último temos o carregador, que é onde se colocam as munições.
Pontaria:
Com a coronha bem assente no ombro espreitamos por esta ranhura que se encontra na alça onde tem as distâncias de tiro, seguimos a mira até encontrarmos esta pequena saliência na ponta do cano, que tem o mesmo nome – mira, que por sua vez tem de estar direccionada para o objectivo.
Muito importante! Existe aqui no lado esquerdo da arma esta patilha como estão a ver, sabem para que é? Eu também ainda não disse, é a patilha para segurança, tiro a tiro e a terceira posição serve para rajada, ok? Esta patilha deve estar sempre na posição de segurança. Como está neste momento, e só à minha ordem é que muda.
Como podem ver tenho aqui duas balas uma de salva e outra que utilizamos normalmente para nossa segurança. E é de salva porquê? Como conheço? Porque não tem projéctil na sua extremidade, está pintada de roxo, só faz barulho, é utilizada nos enterros, quando um de vocês morrer, tem direito ao funeral arma, ou seja vão 6 militares acompanhar o morto e na altura de meter o caixão na cova são disparados 3 tiros. É bonito não é!!! Mas entretanto é mais uma vida que se vai. Depois temos a outra que se encaixa também no carregador já falei na culatra há pouco, puxa-se esta à retaguarda, manda-se a mesma à frente com pancada seca e como vêem a munição desapareceu do carregador! Então onde está? Precisamente na câmara da arma, a partir daqui a arma está pronta a disparar mas como está em segurança não dispara, como podem ver, mas se eu colocar a patilha de segurança aqui no t já dispara querem ver? Siiiiim. Então como tenho autorização do nosso comandante de companhia, capitão sereno, vou dar um tirinho, puuuum.
(Preparação física com arma)
Depois de ter falado na g3, o seu funcionamento, a sua limpeza, a segurança, montar e desmontar, era altura da ginástica e ordem unida com a mesma.
A partir de agora quer a preparação física quer a ordem unida é sempre feita com arma, ok?
Tudo isso lhes foi ministrado e explicado.
Normalmente de manhã dava preparação física e ordem unida e à tarde explicações relativas às especialidades
O PADEIRO
O militar que tiver este cargo e este será um soldado raso, terá de ser pessoa asseada e limpa, não quer dizer com isto que os outros também não o sejam, todos têm de ser asseados e limpos no seu próprio interesse porque assim evitam doenças. Já devem ter reparado que todos os dias vou à vossa caserna… pois é para ver todas estas coisas. O padeiro trabalha durante a madrugada, pois temos de ter o nosso pão pronto para o pequeno - almoço. Aqui está também mais uma profissão em termos de futuro.
Quantidades de farinha, sal, fermento e água para além disto tem de saber amassar o pão assim como o tempo que o forno tem de estar a aquecer para cozer o mesmo. Na devida altura tudo isto lhe será ensinado.
COZINHEIRO
Este ofício será desempenhado por um 1º cabo e todos gostavam de ser cozinheiros e padeiros pois estes não vão para o mato, só se forem castigados além de ser profissões como disse atrás de futuro. Como disse, tem de ser pessoa impecável em termos de higiene e tem de gostar de preparar as refeições para todos nós, sim para todos nós porque vai haver muitas refeições que eu vou comer do vosso, além disso antes de vos ser servida a refeição é minha obrigação provar. o cozinheiro tem de ter a noção exacta das quantidades e da qualidade de todos os géneros a incluir nas refeições.
Há algum cozinheiro, no nosso grupo? – eu meu furriel. Quem? o Magriva? -sim meu furriel gostava de cozinhar para o grupo? – Sim -. Nunca se sabe…
Os géneros alimentícios devem ser devidamente escaldados assim como as águas fervidas, pois estas podem ter larvas que aparecem em águas estagnadas como da mosca tsé tsé (doença do sono), o mosquito de Dengue (provoca a febre dos três dias) e ainda a malária (fase extrema do paludismo).
O SOCIAL
Começaram então alternadamente 3, a irem todos os dias à cidade da Beira, com o nosso alferes Barracas. Lentamente começaram a socializar com a população citadina. Depois foram as perguntas: - como é possível tanta água?! Tantas ondas?! Tanta gente junta?!- vá uma pergunta de cada vez . Antes de mais gostaram? – siiiim-. Quanto às perguntas vou tentar responder: no planeta existem vários continentes, todos eles divididos por mares ou oceanos que foi a água que viu, neste caso vocês tiveram a oportunidade de ver o oceano Indico, para além disso o planeta é constituído por 75% de água precisamente idêntico ao corpo humano que tem também a mesma quantidade de água. Quanto às ondas, elas são provocadas pelos ventos pois o vento é o ar em movimento. já agora e por estarmos na época seca com trovões e relâmpagos vou dizer-vos a que se deve esses efeitos: se rasparem uma pedra na outra, qual é o efeito? Ora vamos lá ver qual o efeito, então viram? Primeiro deu a faísca depois o ruído no entanto parece que foi ao mesmo tempo, mas só porque estamos muito perto não deu para perceber, e porquê? Porque a luz é muito mais rápida que o som. Então chegamos à conclusão que durante uma trovoada geram-se descargas eléctricas para equilibrar a diferença de potencial entre o topo da nuvem (cargas positivas), a base da nuvem (cargas negativas) e o solo (carga positiva). Daí, primeiro ver-se a faísca e depois o trovão.
Quanto ao muita gente junta. é próprio das grandes cidades: muito comércio, muita indústria, logicamente muitas pessoas a ocuparem postos de trabalho.
Edifícios altos. Tem de ser assim nem todos podem ter a sua casa individual, por isso e normalmente por ser também mais barato constroem-se esses edifícios altos que têm 4 apartamentos por andar.
Por hoje é tudo vamos destroçar e descansar, amanhã é novo dia.
- Saí da minha companhia (tropa normal), por ter sido ameaçado por ler uma folha dum jornal que estava proibida a sua publicação, por verificar, que, embora mandados pelas altas patentes do exército “os xicos”, os milicianos (nós), é que fazíamos a guerra e venho encontrar esta situação?
Amigos! Aqui está a especialidade de minha preferência. Não sei se já disse mas nesta especialidade já fui louvado pelo exército português, não por rebentar o que quer que seja mas por levantar minas (6) e desarmadilhar uma armadilha. Mas vamos ao que interessa com dois disparadores, um petardo de 80gr tnt (trotil), cordão lento (arde a 8cm por segundo, cordão rápido (quase instantâneo), cordão detonante (rebenta por simpatia) e um detonador, fiz a primeira aula prática de um rebentamento pirotécnico para além de haver também os rebentamentos eléctricos.
Pedi então como se não soubesse de nada, um voluntário e que esse fosse o Alfredo Constâncio. Tentou mostrar o seu desconhecimento sobre o assunto, mas quando eu falava em cordão lento, ele pegava no cordão certo, isto sem que tivesse falado sobre os cordões, só demonstrava o seu conhecimento na matéria.
Expliquei que o petardo não arde só explode e também só por simpatia tem de haver algo que o faça explodir e esse algo é o detonador que é esta coisinha com cerca de 3 cm em que em 2cm tem um orifício onde se introduz o disparador que tem um percutor e esse vai bater e furar a outra parte do detonador que tem uma substância química que o faz detonar que como já disse, por simpatia rebenta também o petardo que normalmente não são iguais a este mas de 1,30kg e revestidos a chumbo ou com pregos à volta ou vidros para assim fazer mais estragos no corpo das pessoas. Para vocês fazerem uma ideia dos barulhos que estes materiais fazem, vamos fazê-los rebentar.
1º só um disparador, peguei no mesmo e fi-lo rebentar pois não há qualquer problema, embora o ruído seja razoável.
2º vamos fazer um rebentamento pirotécnico, Alfredo és capaz de o fazer? Por uma questão de segurança vamos colocar 15cm cordão lento para verem como arde, detonador e petardo, como me tinha esquecido do alicate estrangulador (alicate próprio para apertar o detonador ao cordão) e não quis dar a entender que o Alfredo sabia da matéria apertei o detonador ao cordão com os dentes que ele ficou parvo, (imaginem que se o detonador se zangasse ficava com certeza sem dentes e com a boca muito mal tratada). A segurança diz-nos que nos devemos abrigar e que antes de qualquer rebentamento se deve alertar as pessoas que se encontram em redor gritando, fogo! Fogo! Fogo! E passados os 15 segundo dava-se então a explosão.
Mais um pormenor importante! Rebentou, mas se não tivesse rebentado, ninguém lá devia ir mexer, a não ser para colocar outra carga até se fazer notar o rebentamento de ambas as cargas.
Normalmente e quando se sai para operações militares o responsável por esta especialidade deve levar consigo o saco de rebentamentos assim como o enfermeiro ou maqueiro o saco de 1ºs socorros.
Entretanto, pelas informações recolhidas junto dos “meus homens” a zona do Mongoé era uma zona aprazível, sem guerra, mas que teria sido lá um dos locais da Zambézia, que a Frelimo escolheu para dar início à luta armada contra o colonialismo. A cerca de 20 km ficava Milange e a 30 o Malawi. Tinha portanto todo as condições para chamar a família (mulher e filha), pois fazia da cidade da beira ponto para minha residência permanente, já que fazia o trajecto Beira/Dondo /Beira todos os dias.
Aluguei um apartamento “ flat”.
Depois de muito pensar e porque amava África, mandei vir a família com a intenção de ficar para sempre. Hipóteses de trabalho havia, podia pedir a transferência nos C.T.T... Como sabiam trabalhar com o telex e o teleimpressor poderia ir para a barragem de Cabora-Bassa ou até mesmo para um amigo de família, estabelecido em fotografia na capital da província, Lourenço Marques.
Passado algum tempo, falei com Alfredo Constâncio que me pareceu pessoa bastante acessível e bem-disposta mas um pouco amargurada. Confirmou - ter pertencido à Frelimo, tinha um posto: chefiava um destacamento, mas que passavam muita fome a Frelimo entregava-lhe a arma e ele é que se tinha de desenrascar. Como vi que não estava interessado muito em falar, mudamos de assunto.
Estávamos perto de receber o pré (ordenado).
Como faltava dois ou três dias para receberem o pré, comecei a alertar para o bom senso para os princípios que as pessoas têm de ter depois de estar tanto tempo “presos” aqui, e agora que se está a aproximar o fim-de-semana que coincide com o ter dinheiro fresco vão cair em excessos. Quero chamar a atenção para o seguinte: muitos de vocês já conhecem a cidade, eu sei que vão querer lá ir, mas atenção devem vestir a farda número 2 e devem andar como gostam impecáveis. Existe a polícia militar da tropa normal que nós não devemos criar problemas. Existe a polícia militar da força aérea a essa têm de obedecer. Lembrem-se que como já disse temos direitos e deveres esses direitos e deveres estão consagrados no R.D.M. (regulamento de disciplina militar). Lembrem-se também que têm família, não gastem dinheiro em bebida e se forem às meninas comprem preservativo. Por favor e mais uma vez mostrem que são da Zambézia pessoas de bem, não arranjem milandos (problemas).
A minha família chegou…deixei de estar sozinho responsabilidades acrescidas.
E foi assim durante mais dois meses. Da parte da manhã ginástica e ordem unida e à tarde teoria sobre as especialidades e falarmos de Milange (terra de chã) e do Mongoé.
Há que destacar somente no restante tempo que nos faltava para a deslocação prevista. O salto de helicóptero, o tiro na carreira do mesmo nome e ainda uma semana de campo,
(Salto de helicoptero)
A PROGRESSÃO NO TERRENO
Alguns tipos de sinais são executados, o mais frequente é o de para andar mais depressa: colocar o braço direito em v e fazer a indicação para cima e para baixo duas vezes. Ainda há a possibilidade do passe-palavra: transmitir qualquer mensagem do comandante até ao militar a que a ela é dirigida.
A SEMANA DE CAMPO
Começamos em progressão com alas, que de imediato passou a fila do pirilau. E num pequeno alto (paragem utilizada para pormenores), utilizando a carta militar e a bússola mais as coordenadas que nos foram dadas através do azimute (latitude mais longitude) encontramos o local destinado servir de base. Aí preparamos o terreno e montamos as tendas devidamente camufladas. Aqui também ficou decidido que não faríamos sentinelas, era pois lema do grupo que: “quem tivesse medo ficaria acordado”. No primeiro dia a refeição foi uma ração de combate (tipo e).
(Ração de combate)
No segundo e terceiro dia foi a prova de sobrevivência. Saímos do acampamento sem relativamente nada. Não podia haver contacto com a população nem passagem por estradas. Na alimentação estávamos à vontade, pois os homens já estavam habituados a procurar raízes e sabiam mesmo que folhas comer. Para mim foram mais uns conhecimentos adquiridos. No que diz respeito à água: pois como estávamos na época da seca, eles também esburacavam nas areias dos leitos dos rios e lá teríamos de fazer do quico um copo e beber, sem qualquer tipo de desinfectante.
Nos dias seguintes foram levadas à pratica as tácticas de combate e progressão. Assim como simulações de golpes de mão (ataques a acampamentos do IN), e ainda improvisamos emboscadas (emboscamos e fomos emboscados) montamos armadilhas e minas anti-carro e anti-pessoal devidamente despoletadas.
Na semana de campo estava incluída, a perícia em tiro. Passado cerca de mês e meio de terem armas, era altura de colocar em prática os conhecimentos nesta matéria na carreira de tiro (local onde se treina o tiro).
TIRO DEITADO
Depois de terem chegados aos seus locais de tiro e em grupos de 8 (8x8=64), foram mandados deitar pelo oficial de tiro, foi-lhes entregue 3 munições, que deviam introduzir no carregador, puxar a culatra à retaguarda, mandá-la à frente e assim temos a bala na câmara, aí a arma depois de tirar a patilha da segurança, está pronta a disparar. – Vamos colocar a patilha logo a seguir, para quem sabe as letras é no t, levantem as armas para verificarmos... Tudo correcto, portanto fazer pontaria e quando quiserem façam fogo um tiro de cada vez. Quando acabarem os três tiros coloquem a patilha no s (segurança) e culatra à retaguarda levantam a arma, e à minha ordem põem-se de pé.
Tudo foi repetido na posição de joelhos e em pé isto durante três dias seguidos.
E assim acabou a fase mais importante da instrução militar e preparação para uma fase mais socializante das suas vidas.
Depois de uma reunião com o comandante de companhia, fiquei a saber que no Mongoé não havia quartel, havia sim uma fortificação minúscula no qual estava deslocado um pelotão de tropa normal e que só os graduados lá podiam pernoitar e que iríamos ficar adidos a esse mesmo pelotão, portanto teríamos de construir o nosso aquartelamento, era-nos dado; duas arcas frigoríficas e um gerador de corrente ambos a gasóleo e que nos primeiros dias a alimentação seria fornecida por esse pelotão, enquanto não tivéssemos as condições julgadas necessárias para confeccionar os nossos próprios alimentos.
Durante mais uns dias mantivemo-nos com exercícios físicos e ordem unida, até que chegou o dia da partida
A família ficou na cidade da beira. Primeiro conhecer o local, depois criar condições para as ter perto.
… Alegria geral…
Quatro machibombos (autocarros), partiram do Dondo, pois para além do nosso grupo foram outros para a Zambézia. Só os graduados iam armados e lá partimos nós “cantando e rindo” em direcção ao Mongoé. Lindas paisagens! Estradas (picadas) em muitos sítios intransitáveis e muitas dificuldades quando se cruzavam duas viaturas.
Já tinha estado em algumas zonas do Park Nacional da Gorongoza mas esta de facto era a mais espectacular. Inhaminga, Marromeu, animais que sobra! Elefantes, zebras, javalis, pacaças, etc.…etc.…. Até que chegamos a Caia, rio Zambeze. Aí teríamos de o atravessar, mas como já era fim de tarde decidimos por questão de segurança não o fazer, (lembrei-me então do meu colega de trabalho e amigo o, Faria, que neste mesmo local, a barcaça virou-se e, lá se foram mais umas dezenas de homens uns afogados outros comidos pelos crocodilos. (os desaparecidos) – paz à sua alma -).
Fomos então convidados pelos machambeiros (agricultores) para uma caçada nocturna, caçada essa muito bem sucedida que deu para um bom churrasco.
Depois duma noite de conversa e de comes e bebes, logo de manhãzinha atravessamos o rio, para, Mopeia. A respeito da jangada esta era movida com uma corda que trabalhava por tracção embora com um ligeiro motor. Morrumbala, passamos uma ponte como eu nunca tinha visto! Que segundo vim a saber mais tarde seria uma das pontes mais caras do país! Por ela passava a rodovia e a ferrovia! Portanto na sua travessia (e não era pequena), dever-se-ia ter o máximo cuidado, não fosse passar nessa mesma altura o comboio. Passamos o entroncamento para, Quelimane e lembrei a terra das “misses” - (hei-de lá ir). – Fiquei estupefacto quando vi eucaliptos. Mocuba e Milange! Terra de muito chá, cidade muito aprazível. Com administrador escola primária, (professores do continente) piscina, a 8km do Malawi (uma recta) um aquartelamento militar, com tropa continental (esta companhia militar tinha um destacamento no Mongoé, destacamento esse onde nós iríamos ficar adidos) a sede da P.I.D.E./D.G.S., um clube recreativo onde se faziam algumas festas e convívios, uma avenida com estabelecimentos comerciais de indianos (monhés) e anda restaurantes de continentais. Verifiquei também que nas esplanadas haviam muitos casais ingleses (bifas) do país vizinho.
E no dia seguinte prosseguimos viagem. Duas horas depois chegamos ao Mongoé.
O MONGOÉ
Que felicidade era ver os familiares dos “meus homens” a receberem-nos e eles com a vaidade que os caracterizava a contarem os seus feitos na cidade da beira, tive muito orgulho... E porque estavam à nossa espera, por parte das entidades civis: o Sr. Administrador e o vice, o professor, e respectivas esposas e ainda os familiares dos g.especiais. Nos militares: o alferes do grupo a que nós íamos ficar adidos, e chefe da policia (1º sargento). Falou o administrador a dar as boas-vindas. Julguei por bem agradecer e depois dum pequeno desfile cantando a “Laurentina”, mandei destroçar.
(Formatura com farda de gala)
Reuni com o alferes, o administrador e o chefe da polícia: fiquei a saber sobre alguns dos usos e costumes da terra, sobre os movimentos do IN, a importância da cooperação entre todas as forças no terreno, que tinha cerca de 5.000m2 de terreno para construir o nosso aldeamento, e indicaram-me o local.
Havia verbas para o mesmo. Até lá havia tendas colectivas. As refeições seriam fornecidas pelo pelotão sitiado no local. Visto que eles tinham cozinheiro e padeiro. Sugeri que dois dos meus homens passassem a estagiar junto destes para sua aprendizagem, e assim também colaboravam na confecção do pão e das refeições. No entanto e devido às vicissitudes encontradas na confecção dos alimentos julguei necessário depois do jantar falar com o estagiário. No aspecto militar lembrei que no que respeita à operacionalidade do grupo, esta depende só única e exclusivamente do comando dos grupos especiais e mais concretamente do Sr. Comandante Coronel Costa Campos (que entretanto tinha sido promovido).
Nomeei dois homens para estagiarem junto dos especialistas atrás referidos e ainda, outros dois para aprender junto do radiotelegrafista e enfermeiro.
O terreno tinha sido medido pelos topógrafos do exército. Fiz queimadas no local onde iria ser instalado no nosso aquartelamento com contra-fogos (utilizando lamparinas e corte de mato).
Nomeei grupos de trabalho para corte de troncos de árvore para a construção das casas utilizando serras manuais, para fazer matope (palha+terra+água) utilizado no revestimento das paredes de suas casas e ainda outro para preparar o material (capim) que utilizam para os tectos.
Foi-nos entregue 1 pistola Walter (9mm), 2 espingardas Mauzer para caça grossa e de pontaria assim como 2 caçadeiras e respectivas munições.
Todos compraram gingas (bicicletas) a prestações.
O Mongoé é uma aldeia simpática localizada entre o Chire e Milange e noutro extremo o Majaua (vila do grande industrial, Manuel Maia), tem várias cantinas espalhadas pela região. Para além da população civil, havia o administrador e a sua guarda (sipaios), o vice, o secretário, o chefe da polícia e os seus guardas, o professor. Todos eles tinham familiares.
Pelo que se me foi dado a perceber e depois confirmei a tropa dava pão ao administrador (4 pessoas) 33 pães; ao vice administrador (3 pessoas) 25 pães; ao secretário (13 pessoas) 25 pães; ao chefe, 5 pães; ao professor (2 pessoas) 6 pães.
Fiz um censo para saber a quantidade de pessoas estavam envolvida com GE`s , e cheguei à conclusão que dos 64, 30 eram casados e havia ainda 33 filhos, na totalidade éramos 127. A maior parte deles era de religião maometana. Não permiti poligamia, no próprio interesse deles. Interessava distribuir equitativamente espaços para que todos tivessem as suas casas, iguais em tamanho, 5 x 4= 20m2 x 64 =1.280m2 de área coberta, a mesma área para espaço entre as casas, teremos pela ordem de ideias 2.560m2. Existia então outro tanto, para a parada, arrecadação, enfermaria, a messe, os chuveiros e as latrinas para alem dos abrigos.
À noite com frequência era convidado para as batucadas e marrabentas. Nas aldeias próximo do nosso aquartelamento onde havia a farinha cozida normalmente com frango e um molho especial cheio de(gindungo)piripiri. No caso das marrabentas a música já era de disco single com aparelhagens compradas no Malawi. Também era convidado pelos machambeiros, para as suas festas onde havia churrasco de peças de caça, leitão e caril de camarão etc.…etc.… Portanto, ora sendo assim, estavam criadas todas as condições para a família vir para o Mongoé. Sem que ninguém esperasse, decidi fazer uma pequena patrulha para me certificar e ficar a conhecer os terrenos que estava a pisar. Informei então o furriel da tropa, sobre as minhas ideias. Solicitei-lhe as respectivas rações de combate e um rádio banana, combinamos um código de comunicação e ao mesmo tempo também lhe pedi para ver os andamentos do aldeamento em construção, o que ele logo se prontificou. No outro dia antes do pequeno-almoço e a título individual, comuniquei a cinco homens que depois do mesmo se deslocassem ao gabinete com camuflado, arma e cantil cheio. Distribui cinco munições a cada um, por outro lado eu levava quatro carregadores no cinturão e três na arma. Assim e já em fila do “pirilau”, saímos do aquartelamento em missão de patrulhamento, o que causou muita admiração entre a população.
O código de comunicação assim como as horas de contacto, foram combinados no momento da saída do grupo, a central seria, “caderno” o grupo em deslocação será “cavalo de Tróia”. As horas, de três em três. Passamos por várias aldeias, demo-nos a conhecer e fazíamos perguntas: quem era o chefe da aldeia, onde estava, quantas pessoas moravam ali? Respondiam sempre com desconfiança. Enquanto eu anotava tudo, além das minhas notas interpretativas.
Chegamos a um posto da polícia, e para minha admiração o mesmo encontrava-se completamente fechado. Interrogada uma senhora indígena, esta informou que –o marido tinha ido à caça! – o guarda era continental. E pelos vistos tinha boas razões para a sua caçada pois no prosseguimento encontra-mos vários dejectos de animais. Entretanto, e há hora combinada, entramos em contacto com o aquartelamento.
– Oh… caderno, oh… caderno, é cavalo, é cavalo de Tróia diga se me houve escuto.
– Oh… cavalo oh… cavalo de Tróia interrogo se me houve escuto…-
- Pois escuto perfeitamente era só para informar, que tudo decorre muito bem e que metam uma bazuca na alpha foxtrot (cerveja de litro na arca frigorifica). Por agora é tudo, por agora é tudo e oscarzinho (obrigado).
- Ok… ok… foxtrot uniforme rómio (furriel) entendido, entendido continuação de bravo tango (bom trabalho).
Os homens como não entendessem este tipo de conversa interrogaram-me, sobre a mesma! Eu fiz-lhes lembrar que tinha dito na instrução que: quem viesse ser o radiotelegrafista, ensinaria este tipo de linguagem. Ficaram entusiasmados.
Fizemos alguns pequenos altos, assim como um grande alto este para almoçar. Os homens mostraram estar em grande forma.
Ao fim da tarde e já perto do aquartelamento, montamos uma emboscada num trilho. Passaram duas senhoras com os filhos às costas.
Depois de mais dois contactos com o aquartelamento, chegamos cerca das vinte e uma horas, com os familiares dos homens à sua espera.
No outro dia de manhã cedo, antes da formatura, fui ver o resultado de um dia de obras e fiquei satisfeito, apesar do furriel Gameiro, me já ter dado a indicação que de facto os homens eram incansáveis no trabalho.
Faltam oito meses para a “peluda” (passar à disponibilidade).
Fui convidado a ficar mais um ano nos grupos especiais, era graduado em alferes! Tinha de falar com a família.
Em conversa com o chefe da policia disse-lhe ter tido conhecimento que tinha uma casa com três quartos, sala, cozinha, WC e um bom terraço e se ele me podia dispensar um para poder ter a família comigo, ao qual ele logo acedeu (era obrigado, eu tinha prioridade por ter lá a família. Ele era sozinho).
O aldeamento estava quase pronto.
O polícia que andava à caça, muito preocupado, pois pensava que andávamos em patrulha oficial, (tínhamos de escrever no relatório a ausência dele) de imediato me veio conhecer e pedir desculpa pelo facto mas que não tinha carne.
A família chegou num Cessna depois de ter feito Beira/Quelimane num 737. Alegria extasiante. Foi muito bem recebida no Mongoé e inclusive fomos convidados para um jantar de família pelo Sr. Administrador.
Ficamos então “na casa do chefe Sousa” ex combatente na Índia.
Passamos então a desfrutar bons domingos no terraço de nossa casa durante a tarde, enquanto se ouvia o relato do glorioso FCP, (numa destas tardes ouvi a noticia da morte do Pavão jogador deste clube num jogo contra o vitória de Setúbal). Completamente desvairado peguei no jipe e fui ter com o meu amigo David (correspondente do Jornal o Porto) e choramos.
Quando efectivamente não éramos convidados para convívios sociais havia sempre: bom marisco, leitão vinho verde branco “Gazela” e “Gatão”, whisky do velho etc…etc. (com frequência era presenteado com estas guloseimas, não entendendo muito bem do porquê! Vim a saber mais tarde…
Fui a Quelimane buscar as malas. Terra maravilhosa, aqui verifiquei que não havia racismo, tanto branco como preto frequentavam esplanadas, cinemas, piscinas, etc…etc.
Depois de descapinarmos um terreno quase plano, cortamos uns troncos, fizemos umas balizas (sem rede). Formamos uma equipa de futebol e jogávamos contra a tropa e civis.
Sugeri à Rosa a aprendizagem de tiro de pistola, então os treinos passaram a ser no campo de futebol. Fez um camuflado dum outro que eu tinha, e mais tarde chegou a acompanhar-me em pequenas patrulhas cujo objectivo era a distribuição de medicamentos à população. Chegou a pegar na Walter contra o cantineiro Venâncio (um branco).
Todos os homens tinham comprado cantante (rádio), e gostavam de se fazer acompanhar constantemente com ele encostado ao ouvido, e ainda com um pente de cor na cabeça. As senhoras com um artefacto no tornozelo.
Comecei a ter conhecimento das primeiras gonorreias (esquentamentos) porque as injecções administradas pelo 1º cabo da tropa “não davam resultado” sendo assim e no momento da formatura para o pequeno-almoço, informei que os homens que sentirem ao urinar ardência, andar a pingar pus, pelo pénis ou com ele inchado, não podem ter relações sexuais, e aqueles que já o fizeram devem trazer as mulheres para tratamento, porque elas também já estão contaminadas.
Mandei vir com urgência injecções Hipopen h 1.000.000 e eu mesmo ministrei as mesmas e não foram poucas!
Neste pouco tempo de Mongoé, verifiquei já muitas coisas que eram contra os meus princípios, tais como: o administrador, por cada situação que fosse necessária a sua autoridade, cobrava em géneros e muito para além do estabelecido, por exemplo: num casamento, só para escrever o nome dos noivos e das testemunhas, era capaz de cobrar 20% do que o pai da noiva exigia ao noivo, por outras palavras dependia da capacidade de cada um. Quando era necessário construir estradas financiadas pelo governo: mandava os sipaios prender os que estivessem a beber “pombe” (sumo de manga fermentado), e assim não pagava esse trabalho. Por outro lado veio chamar-me à atenção para o facto dos meus homens andar a rondar as mulheres dos sipaios, segundo estes, claro.
Permiti machambas na zona nascente do aldeamento cada família, tendo para isso falado com o administrador, 20m por 25m de comprimento ou seja 500m2, mas o cultivo do milho teria de ser para além dos 30 m nas zonas periféricas ao aldeamento.
Cada homem tinha direito a 80$00 para sua alimentação. 80$00x64=5.120$00, para gerir num dia.
Estavam criadas então todas as condições para termos a nossa cozinha e assim confeccionarmos as nossas refeições. Depois de medirmos o espaço 5x4=20m2 e de termos encontra o vento a chuva e o sol, fizemos os afundamentos de cerca de 50cm, pedra, areia, cimento e água (massa), estavam os alicerces prontos. Tijolo sobre tijolo em três paredes, o fogão em si foi feito com blocos e cimento com muito sal por causa das altas temperaturas e estava a cozinha pronta. Tinhamos: panelões, tachos, sertãs, colheres de pau. Solicitei um livro de requisições e fiz a primeira:
O forno para o pão, dava para as 2 forças militares.
O facto de nós começarmos a confeccionar os nossos alimentos coincidiu também com a mudança de companhia a que eu estava adido pois tinham completado 27 meses de Moçambique, pelos visto era o que me estava reservado também!
O alferes que passou a comandar o novo (para mim) pelotão era o Torres (ex-jogador do Guimarães).
Estavam imcorporados Nesta Companhia dois grandes amigos de infância: Francisco Dores, e o Tino, jogador do F.C. da Lapa. para eles uma SAUDAÇÃO ESPECIAL.
Primeiro dia de refeição. Acompanhei o cozinheiro na confecção dos géneros e lembrei querer todas as refeições fossem confeccionadas só com azeite, óleo só para frituras.
Como todos os dias antes das mesmas há formatura, e depois elas são servidas por uma certa ordem. Para meu espanto vejo uma grande fila de civis e perguntei ao cozinheiro - para que era essa fila? Ele acabou por responder – para o que sobrasse -. Fiquei atrapalhado porque não gostava do que estava a ver e há que rectificar em termos de futuro. Arroz de feijão vermelho com peixe frito e sopa de legumes.
Neste dia dei vinho branco, mas porque verifiquei que o mesmo tinha cânfora! Nunca mais, embora os homens me tivessem feito a pergunta do porquê? Como sempre tive de explicar – é que algumas coisitas que vocês pudessem ter visto, essas mesmas coisitas tiravam as capacidades sexuais aos homens –. Era de facto essencial explicar sempre, eles acabavam por agradecer.
Passei a compreender melhor o porquê das ofertas. Como já começava a pensar na confecção dos géneros, os criadores de gado tinham todo o interesse em me ter como cliente, daí as mesmas.
Na época das caçadas recebi um convite do administrador para uma, e que o embaixador português no Malawi também estaria presente, mas que seria de todo conveniente levar alguns homens connosco. Aceitei, mas interroguei-me, do porquê da necessidade de levar homens. Depois de nos deslocarmos para a mesma, o Sr. Administrador informou-me que não era lá muito conveniente eu disparar, pois devíamos dar essa primazia ao convidado. Fiquei admirado mas só depois verifiquei na finalidade o que estava a fazer, protecção pessoal! Não gostei da ideia, mas em contrapartida, tive outra ideia! E se eu distribuísse uma Mauzer a um civil (indígena) para ir caçar para o grupo mediante contra partidas? Assim pensei assim o fiz. Os GE`s indicaram-me a pessoa certa e de confiança. Estabelecemos valores para cada peça de caça e foi maravilha: veados (gazela, pala-pala, impala 50 a 100$00) javali 100$00 e búfalo, zebra ou seja animais de grande porte 300 a 400$00. Nós tínhamos a responsabilidade de ir buscar o animal onde o mesmo estivesse abatido.
Assim sendo, se cada quilograma de carne custava entre 40 a 50$00, nos criadores de gado, poupava muito dinheiro, que daria para outras coisas por exemplo: dar de comer aos familiares dos meus homens, e ainda sobrava.
Boas caldeiradas de gazela, bons bifes de zebra e os churrascos de javali…
Passei então a dar de comer a todos os familiares e inclusive algumas vezes à tropa
O comandante de companhia porque tinha sido informado do êxito da gestão, solicitou uma reunião só para pedir lucros. Informei-o, - de que se o R.D.M. (regulamento de disciplina militar) impunha um mínimo de $20 e eu estava a dar $50, já era razoável para além de que não ia dar fome aos homens.
Passei a vender o azeite que me sobrava aos civis. As rações de combate aos polícias e sipaios, pois havia sempre sobras.
Embora os GE`s já estivessem a viver cada um na sua casa, achei que devia haver cerimónia de inauguração. Aproveitando a oportunidade de começar a ver resultados práticos, pois o caçador tinha apanhado um grande búfalo, fizemos um programa:
08h00 - hastear da bandeira nacional no centro do aldeamento, seguido de desfile militar com os GE`s,
15H00 - MARRABENTA
21H00- PROJECÇÃO DUM FILME.
A sociedade civil foi convidada para o facto, e até colaboraram em presentear o grupo com bolos.
O safari com a Rosa no aldeamento turístico do Park Nacional da Gorongoza. Neste safari e nesta altura já havia algum risco, a Frelimo já tinha atacado alguns turistas. A Mónica tinha ficado com os pais da Castiga, (miúda da mesma idade e indígena de quem gostava muito, assim como nós.
As operações militares no Majaua vila do grande empresário Manuel Maia, dono de várias cantinas (mercearias vende tudo).
As quedas de água aí existente com não sei quantos metros de altura.
A minha primeira experiência como parteiro. Nesta vila (e porque diziam que andavam movimentos estranhos durante a noite), era percorrida sempre em passo de corrida em horas alternadas, e nunca nada foi encontrado. Como parteiro. A enfermeira da vila encontrava-se com o paludismo e foi solicitado o nosso maqueiro/enfermeiro que andava como sempre com a bolsa de primeiros socorros, mas como nunca tinha tido explicações sobre o assunto, deixou ao meu critério, então ordenei-lhe que me acompanhasse e fui eu dar assistência à senhora.
Segundo quanto percebi a senhora estava mesmo em trabalho de parto, conversei com ela um pouco para se descontrair tinha rebentado a bolha de água, contracções com intervalos de 5 em 5 minutos duravam cerca de 1 minuto, portanto não havia dúvida nenhuma. Estava deitada, solicitei ao marido que saísse ele perguntou-me - se já tinha feito mais partos -? Disse que sim e que todos tinham corrido muito bem…pedi que aquecessem água à temperatura dos pulsos desinfectei as mãos com álcool. A senhora dava a impressão que se cria despachar depressa o que era bom. E depois de todos saírem – vamos a isto? Pedi à senhora a colaboração e que levantasse os joelhos abrisse as pernas ao máximo, com todo o respeito já não havia tempo para cortar pelos, pedi tintura ao maqueiro passei na zona pélvica, verifiquei que o períneo estava já muito dilatado pedi à senhora. Pedi para fazer muita força, e conforme iam dando as contracções, aparece a cabeça. Pedi para não fazer força só respirar rapidamente, para permitir o alargamento ainda mais do períneo. Com a saída total da criança saiu também o liquido amniótico, manteve-se o rebento durante uns segundos de cabeça para baixo, começou a berrar, saiu a placenta, foi cortado o cordão umbilical, fui verificar a temperatura da água e demos banho ao rapazote, foi amarrada também uma gaze devidamente esterilizada com alguns centímetros de largura em volta do umbigo do bebé. Passado algum tempo a senhora já estava em pé.
Depois do maqueiro ter informado do sucedido, quase todos os partos no Mongoé, tiveram a minha assinatura.
Conclusão esta família mais empregados e seus familiares queriam guarda privada durante a noite, mas para além das idas às cataratas para dar uns mergulhos nunca mais lá pusemos os pés, nem os pais da criança me visitaram.
As operações militares nas cantinas dos Maia, Numa delas os movimentos nocturnos até tinham razão de ser (pai branco… mãe branca …e filho preto…) - A culpa é de 5 gerações atrás? …
Entretanto o Sr. Administrador, solicitou uma reunião com a tropa e os GE`s para comunicar que havia um indivíduo estranho num certo aldeamento a alguns quilómetros daqui, que era necessário intervir no sentido de ver de quem se trata. Concordei, assim como o alferes Torres.
– Então e quando lá vão?
- Pois isso era um assunto que só a nós militares diz respeito -. Acordamos então ir lá nessa mesma noite. O pinchas (unimog 411) levar-nos-ia até determinado local e faríamos depois o resto do percurso a pé e durante a noite, para assim podermos surpreender o “IN” num golpe de mão a realizar às cinco da manhã.
Levo uma arma Mauzer com bala serrada e uma pistola Walter. Muito antes de chegarmos ao ponto de referência despertou-nos a atenção dois olhos muito brilhantes a piscarem. Possivelmente, o que era estaria em cima duma árvore e que era suposto eu passar por baixo da mesma. Um ge alertou-me ser um animal grande! Eu disse que era uma coruja, mas ele garantiu que não. Então para tirar dúvidas embora quebrasse o segredo da operação, disparei e foi de facto quando senti pelo barulho a cair no chão que era mesmo grande, pois era um leopardo, tinha-me saído a sorte grande nessa noite, mais tarde e já a amanhecer e ao atravessar um rio, do outro lado, um outro leopardo a beber água. Foi mais um a acrescentar aos meus troféus.
Informei do que se tinha passado pelo rádio Rakal. O Sr. Administrador fez queixa contra mim pelo sucedido, sem qualquer resultado prático, no entanto exigiu-me as peles dos mesmos, pois era proibida a caça nessa época. As informações pela rádio foram emitidas para a sede da companhia e logo o pároco da mesma veio de Milange ao Mongoé para me solicitar uma, por outro lado o co-dante da companhia (capitão) veio-me informar que tudo o que estava na companhia pertencia à mesma e como tal tinha direito às peles. Fiz-lhe lembrar que usava boina amarela, portanto era diferente.
Comecei a perceber que as patrulhas podiam ser feitas a nível de 1.ºs cabo daí ter enviado um rádio para o Dondo a propor: 1º cabo enfermeiro, cozinheiro, transmissões e arrecadação de material e géneros. Mais 3, como operacionais e chefes de equipa, cada equipa tinha 20 homens.
Quem eu vi que tinha mais gosto pela radiotelegrafia, dei a conhecer o alfabeto que os seus operadores utilizavam nas transmissões:
A-alpha, b-bravo, c-charlie, d-delta, e-eco, f-foxtrot, g-golf, h-hotel, i-india, j-julieta, k-kilo, l -lima, m-mik, nazare-, o-oscar, p-papá, q-quebec, r-rómio, s-siera, t-tango, u-uniform, v-victor, w-whiskie, x-exerei, y-york, z-zulu.
Fiz um acordo com o professor, nós dávamos-lhe as refeições a ele e à esposa ele dava aulas aos que queriam aprender.
Outro sucesso que o administrador não gostou muito.
O nosso padeiro estava apto para fazer o pão. Começamos a fazê-lo, para além deste, misturávamos nos restos de farinha, manteiga e um pouco de açúcar e aproveitávamos para também fazer biscoitos (roscas) comecei a requisitar mais quilos de farinha. Entretanto como a nossa margem de manobra era maior do que a da tropa, pois tínhamos muitos mais homens. Foi-me solicitado se podia começar a dar o pão aos civis, não me importei, mediante a justiça da mesma: mais família mais pão, como não havia alternativas o alferes concordou.
Assim passei a distribuir: administrador 4 pessoas = 15 pães, 2º Adm. 11, secretário 40, chefe 4, professor 9, etc… etc… o principio era de 3 por dia, quem tivesse crianças levava mais alguns.
Foi uma “guerra” com o administrador, a partir daqui começam a surgir todos os problemas, com ameaças inclusive.
Passado este período, orientei no sentido da construção de abrigos não fosse o diabo tecê-las.
Como disse atrás, as mulheres dos sipaios, alguns deles já cakuanas (velhos) começaram a preferir os GE`s, então o administrador veio com ameaças - que se o ge em causa não indemnizasse o sipaio pelo valor dado por este aos pais da noiva, a questão iria para a justiça. Então perguntei se - com os 20% que o senhor tinha cobrado ou sem eles? – ficou um bocado embatucado porque ficou a saber que eu sabia como as coisas eram feitas.
Mas como era vingativo, passou a não casar os elementos dos grupos especiais. Foi então que no notário de Milange, me informaram que em casamentos e baptizados, o administrador é que os registava e mostraram-me o livro que não era nem mais nem menos que um livro de actas. Comprei um. E a partir daí nos GE`s era eu que registava casamentos e baptizados. Nos casamentos, os nubentes vinham ao meu gabinete com duas testemunhas. Era-lhes perguntado se gostavam um do outro e há quanto tempo viviam juntos? Perguntava às testemunhas se era verdade, depois da confirmação fazia uma acta do acontecimento e assinavam pois já todos sabiam escrever o nome. Nada pagavam por isso. Lembrei então os meus tempos de jovem e dos movimentos hippys… sempre fui apologista do amor livre com responsabilidade, porque não levar à prática?
Depois de fazer grandes valas com cerca de 1,50m de fundo, 10 de largo e 5 comprimento na parte norte e sul do aldeamento, mandei cortar grandes troncos de árvores, latões do óleo cheios de terra e sacos de areia, ficaram os abrigos prontos.
As mini férias na África do Sul e Rodésia. Os seus regimes de Apartheid. Logo no aeroporto procurei as casas banho e fiquei parvo todas em inox como nunca tinha visto em Portugal, pensei mesmo se estaria na casa de banho, mas lá estava o símbolo das mesmas acrescentado de white, porque para os blaks seria noutro local que não descortinei nem podia descortinar porque seria multado, se lá entrasse. Cidades fantásticas e em franco desenvolvimento mas que tinham esse senão – a descriminação racial – as lutas de Nelson Mandela na África do Sul e Martin Luther King nos Estados Unidos da América, faziam-se ouvir em todos os cantos do mundo, mesmo naqueles que se tinha de ouvir às escondidas…
(Abrigo em construcção)
Sou victor, charlie, charlie. Isto em termos militares quer dizer: velhinho comó c……… que felicidade completei 24 meses de mobilização. Estou na peluda.
O 25 DE ABRIL
Logo de manhã muito antes da formatura para o pequeno-almoço, notei que os homens andavam muito preocupados com o semblante muito carregado… não era o mesmo do dia-a-dia. Perguntei - o que se estava a passar -? Eles muito admirados – então o furriel não sabe -? Parece que há uma revolução na metrópole! – o quê -! Sim parece que há uma revolução na metrópole, que é isso furriel? – Põe o rádio alto pá… já estou a ver o que se passa. Vou tentar explicar -. – Mas oh meu furriel isso é bom ou mau para nós -? Deixem-me explicar…
Este foi o momento mais complicado para mim em termos de desmontar a engrenagem que me tinha metido com as mentiras iniciais de quando os conheci.
- Quando uma pessoa não está contente com um governo que neste caso era o de Salazar e depois Marcelo Caetano, devia ter o direito de se poder manifestar, isto se Portugal fosse um país democrático. Ora acontece pois que no meu país isso não era permitido, daí e para combater as pessoas que dissessem mal do governo, o Salazar tenha constituído a P.I.D.E. (policia internacional de defesa do estado) e depois a D.G.S. (direcção geral de segurança) esta policia não é nem mais nem menos para combater as pessoas que lutam pela liberdade. Então a exemplo da Frelimo, em Portugal surgiu o M.F.A. movimento das forças armadas, que não é nem mais nem menos que um movimento que luta pela liberdade do meu país assim como intrinsecamente luta pela liberdade do vosso ou seja pela independência de Moçambique - mas o furriel disse – eu sei o que disse, se eu dissesse o contrário, assim como se eu me recusasse a vir para cá, acarretaria com as consequências e a minha família por tabela iria ser sacrificada também, perceberam?
– MAS AGORA A FRELIMO VAI CORTAR A CABEÇA DA GENTE-!
– Não, não vai acontecer nada disso, vai haver conversações, e em democracia as pessoas vão entender-se. A Frelimo vai montar escolas de reabilitação, como vocês não mataram nem têm culpas no processo, pelo contrário fizeram obra que são as vossas casas. Nada vai acontecer. Acontece sim se fugirem, ninguém deve fugir. Vai passar a haver outro administrador, outro chefe de aldeia, a policia vai ser outra, e muito importante são vocês a decidir através de voto e a maioria vence. Vamos continuar a trabalhar como temos feito até aqui, ok?
Começaram a aparecer outros partidos, e a instabilidade. Mas é isso o pluralismo político. Eu e minha família, chegamos à conclusão que era melhor não ficar em Moçambique.
A fuga da família jardim para o Malawi, assim como alguns GE`s doutras zonas que não da Zambézia, a perseguição pela tropa à PIDE/DGS.
O 10 de Junho e o convite pessoal do embaixador do Malawi, para o festejo desta data na sua embaixada, convite este formulada também a todos os embaixadores e adidos neste país, em que só se falou inglês, desprezando completamente os trabalhadores portugueses em não haver tradução,
Os movimentos dos ex-comandos coca-colas (de Lourenço Marques), contra a independência.
Os militares que se recusavam a vir para as colónias com o apoio dos seus familiares e do povo português os movimentos de libertação que faziam do 25 de Abril o – agora ou nunca – e eu à espera que me fossem render… Embora já conduzisse não tinha carta para o fazer, aproveitei o pouco tempo que me faltava para a peluda para o fazer. Então inscrevi-me numa agência de condução, e calhou-me como instrutora a D. Antónia. Senhora gentil, afável e meiga que achava que o meu tipo de condução era de corredor de automóveis, então gostava de fazer florestais no meio do chazal, embora nunca abdicasse dos seus métodos de ensino… embora eu me considerasse saber tudo, estamos a falar de condução. Claro…a Rosa constantemente me perguntava: - és o único que vais fazer instrução para aquele lado –
- E eu tenho alguma culpa disso -?
Passado uma semana e chegados à altura do exame, o examinador era o senhor Sousa, ainda por cima um “gajo do Porto, maternidade”. Pego no meu “carocha” (que saudade vou ter dele), arranco com o travão de mão em cima e ele andou mesmo. Diz o examinador a culpa não é sua, é dele… porque devia ter ido abaixo e não foi por isso continue… bem… como você é do Porto “entre mortos e feridos alguém há-de escapar” está passado e felicidades…
2 meses de mata-bicho (tempo para além dos 24 de mobilização) e eu continuo à espera que a minha companhia me chame para regressar a Portugal.
Até que um operador de transmissões da companhia onde estava adido me interrogou, no dia 19 de Junho (véspera de s. João).
- Oh furriel, não é da c.art.3557 do b.art.3887? -
-Sou! -
- Olhe que eles vão embora no dia 22! – o quê? –
- E não querem saber de mim? Ai, os foxtrot delta papa! Que justificação na hora da partida vão dar sobre a minha falta? Ou como MORTO OU DESAPARECIDO!
A PASSAGEM À “PELUDA”
Como tinha tudo pronto para partir fui falar com o capitão, que de imediato me deu uma guia de marcha para embarcar no Cessna das 10hoo para Quelimane e posteriormente para a cidade da Beira. Acontece pois que até as 13h30 o asinhas ainda não tinha passado e eu decidi ir almoçar. Precisamente nessa ocasião faz-se à pista, como não viu ninguém não aterrou. Expliquei o sucedido ao capitão que me perguntou o que sugeria? Pedi-lhe transporte até Mocuba via terrestre com segurança, ele aceitou, mas só com voluntários. Andei a pedir voluntários aos meus amigos do Porto, (um deles era guarda-redes do Sé) com a garantia de passarem a noite de s. João em Quelimane.
Lá partimos no outro dia de manhã, em direcção a Mocuba. Como aí não havia transporte aéreo seguimos para Quelimane, conforme prometido aos homens. Aluguei um quarto duplo num hotel e como não havia segurança, pela calada da noite ficamos 5 nesse quarto no resto das noites não sei o que se passou, sei que foi necessário entregar todas as garrafas de whisky que tinha na ocasião para poder embarcar para a cidade da beira, tendo tirado o lugar à Joana Simião, líder dum partido politico que se encontrava em lista de espera.
Chegado à cidade da Beira, apanhei um táxi até aos adidos, e quem vejo a passear junto ao quartel? O alferes do meu pelotão o, Gomes.
- Então iam-se embora sem mim? –
- Tu por aqui Reis! – E conversa puxa conversa e lá entramos nos adidos. O sargento dia que por sinal era da minha companhia, também logo disse: - tens de tirar essa boina e apresenta-te nos adidos. –
- Mas quem és tu para me estares a dar ordens, conforme vós não quisestes saber de mim também não me apresento e quanto à boina é minha por direito próprio e vou para a Metrópole com a mesma na minha cabeça. –
o embarque ficou adiado para 30 de Junho.
Passei o s. João com a minha amiga Hermana no Moulin Rouge da beira.
A minha família chegou à beira no dia 27, com passagem para Portugal passado uns 15 dias.
No dia 30 apresentei-me para o embarque, formei com o meu pelotão a comandar a minha secção e de boina amarela.
Chegamos a Lisboa cerca das 02h00 e na deslocação para os adidos cantamos a